segunda-feira, 14 de março de 2016

Lei da palmada, versão portuguesa (ou Teoria da estupidez)


Portugal, ao contrário do Brasil (*a), possui desde 2007 uma  verdadeira lei da palmada. Sim, leram bem, aqui em Portugal, é punido por lei dar uma inofensiva palmada que seja no filho que se porta mal, que até pode estar horas a fazer uma birra, pois não interessam as circunstâncias. No entanto, não são assim tantos os países que têm leis semelhantes e provavelmente serão ainda menos os países que as colocam em prática. Quem leu o meu artigo anterior (neste mesmo blog) já sabe qual é a minha opinião sobre os efeitos do castigo corporal sem consequências para a integridade física: não há qualquer razão para que se proíba/ puna por lei, isso é um exagero. Castigo corporal não severo, sem consequências para a integridade física não tem provavelmente consequências nefastas para a saúde mental do indivíduo por si só e certamente não tem quaisquer consequências para a saúde física. Por esta última razão, nunca por nunca este deve ser comparado com qualquer tipo de agressão física que normalmente resulte em danos corporais (como é a violência doméstica contra mulheres), que é o que esta lei fez, incluindo-o na mesma secção e aplicando-lhe uma pena de prisão semelhante (1). 
No entanto, nem tudo são más notícias: segundo o que me foi dado a conhecer aquando de uma palestra e discussão sobre a temática no âmbito da disciplina de Técnicas de Comunicação e Aprendizagem, incluída no programa de licenciatura em psicologia na Universidade do Algarve, com a participação da Dr.ª Élia Ramos (psicóloga que investiga casos de supostos maus tratos), de um modo geral essa lei não está a ser posta em prática, mesmo em casos em que há denúncia e, à semelhança de outros países em que o castigo corporal é legal, nos quais apenas os casos mais graves são levados a tribunal e punidos, sendo uma da razões a falta de recursos humanos para lidar com tantas denúncias, pelo que acabam por só considerar os casos mais graves e em que há mais evidências que se podem levar para tribunal. Outra razão que pode ser apontada é que os próprios profissionais que lidam com estes, como a própria Dr.ª Élia não consideram dar um par de palmadas num filho com birra um acto que deve ser punido por lei, consideram sim que, não sendo a melhor opção, é inofensivo, desde que não se torne constante, o que é uma posição obviamente razoável.

Mesmo quem não concorde comigo na questão atrás mencionada ou não considere que se deva disciplinar os filhos dessa maneira terão que concordar que é uma lei que não tem possibilidade de se fazer cumprir neste país, sendo por isso inútil e uma perca de tempo que só demonstra falta de contacto com a realidade e falta de visão, se não mesmo de inteligência. E se essas pessoas realmente se preocupam com o bem-estar da criança, certamente que têm que concordar comigo em que o melhor para a criança, com ou sem palmadas, não é ter o pai ou a mãe ou ambos na prisão/afastados deles por lei, certamente. A menos que os maus-tratos sejam graves, viver sem mãe e/ou sem pai pode fazer muito pior, especialmente se a criança for institucionalizada - o ser humano evoluiu para depender dos pais para o seu desenvolvimento físico, psicológico e social na infância. 

Resumindo: a boa notícia é muito pouco provável que se vá para a prisão por dar um par de palmadas num filho - só é proibido em teoria. A má notícia é que se perde tempo neste país com leis que não podem sequer ser cumpridas

(*a) Nota: Apesar do título, a lei portuguesa está longe de ser equiparada à lei brasileira, que não é punitiva e menciona, em vez de castigo corporal, castigo físico, que no sentido jurídico (no Brasil, pelo menos) tem um significado um tanto diferente do que tem na linguagem corrente: neste caso tem que causar lesão ou sofrimento, o que deixa margem para uma interpretação subjectiva (consultar o seguinte texto:
Lei da Palmada no Brasil: Existe de facto uma lei merecedora do nome?)


Ligação para o artigo do código penal: 





Sem comentários:

Enviar um comentário