terça-feira, 26 de novembro de 2013

Destruindo o argumento cosmológico (parte II)

Como já foi referido anteriormente, o argumento cosmológico é algo como isto:

Premissa 1. Tudo o que começou a existir tem uma causa
Premissa 2. O Universo começou a existir
Conclusão: logo o Universo tem uma causa.  

O argumento cosmológico serve de base para os crentes argumentarem a favor da existência do seu deus, embora isso não seja inferido directamente pelas suas premissas.   
Relativamente á segunda premissa, para lá do Big Bang não existia espaço nem tempo, tal como os físicos (Stephen Hawking e outros) demonstraram, pelo que o universo não começou a existir (no tempo) e, portanto não é possível uma causa que preceda o seu efeito no tempo. No entanto pode-se afirmar que deus pode ter começado em simultâneo e que é responsável pela criação do universo. Mas, além de não sabermos se isso é sequer possível, é preciso notar que nada está garantido, quanto ao argumento, a respeito do facto do universo ter tido uma causa, uma vez que o universo não começou a existir no sentido de que foi um evento no tempo e no espaço, mesmo se considerássemos que a primeira premissa é verdadeira, pois esta refere-se a observações relativas a ocorrências no espaço e no tempo, aqui no nosso universo.
Existem evidências de que o universo surgiu espontaneamente do nada, sem precisar de deus. Lawrence Krauss afirmou o seguinte sobre a hipótese do universo ter surgido do nada, sem qualquer acção inteligente, apresentada ao público por Stephen Hawking na sua obra «The Grand Design» (1):

« Mr. Hawking based his argument on the possible existence of extra dimensions—and perhaps an infinite number of universes, which would indeed make the spontaneous appearance of a universe like ours seem almost trivial. Yet there are remarkable, testable arguments that provide firmer empirical evidence of the possibility that our universe arose from nothing. (...) If our universe arose spontaneously from nothing at all, one might predict that its total energy should be zero. And when we measure the total energy of the universe, which could have been anything, the answer turns out to be the only one consistent with this possibility». (2)

Argumentos probabilísticos do tipo “fine-tuning”, relativamente à alegação de que as constantes físicas praticamente não podem variar para existir vida de nada contribuem para tornar mais plausível a existência de deus, porque cobrir um número suficiente de possibilidades, ou seja a existência de um multiverso, também defendida por Hawking, em conjunto com um factor de selecção, tal como o princípio antrópico é uma explicação satisfatória. È de notar que, assumindo que as duas hipóteses são igualmente adequadas, nada nos garante neste caso que a hipótese de deus seja a mais simples, pois não sabemos ao certo o que teria que ser proposto para explicar o surgimento de deus do nada e como a sua mente funcionava (e funciona), mas muito provavelmente não acabaríamos com uma hipótese mais simples.

Finalmente, nenhum destes argumentos, ainda que dessem resultado, se relaciona com a interacção de deus com o universo durante a sua evolução, incluindo durante a evolução dos seres vivos e durante a história da humanidade, ou seja, de nada serve aos teístas, que acreditam que deus interage com o universo, incluindo com o Homem.


Actualização 1:

Para visualizar o meu comentário sobre este assunto no "Pharyngula" deve-se aceder ao seguinte endereço:


http://freethoughtblogs.com/pharyngula/2013/12/16/but-mr-craig/comment-page-1/#comment-726950.

Para visualizar o texto do Dr. P. Z. Myers («But Mr. Craig...!»):

http://freethoughtblogs.com/pharyngula/2013/12/16/but-mr-craig/comment-page-1/ 

Sobre o problema de fine-tuning, pode também ser lido o texto do Ludwig Krippahl no "Que treta" (*a).
O argumento apresentado pelo filósofo Robin Collins, alega que a probabilidade de observarmos um universo como este assumindo os modelos da física é muito baixa por causa desses parâmetros soltos que é preciso ajustar mas, por outro lado, a probabilidade de haver um universo como este é muito alta se assumirmos que existe um deus que quer criar um universo assim. Assim, alegadamente, o princípio da máxima verosimilhança (*b) leva-nos a crer num deus criador.
O autor do texto aponta para o facto da existência de deus não resolver o problema como explicação, pois deus (o tal ser espiritual, transcendente, inteligente, imaterial, omnipresente, omnipotente, etc) podia querer um universo completamente diferente e inimaginável (com penicos ambulantes, dragões invisíveis, unicórnios mágicos, etc). A verosimilhança (*b) dos modelos físicos é baixa porque se integram as probabilidades por todo o espaço de possibilidades dos parâmetros livres. Mas um deus omnipotente tem uma verosimilhança nula, estando numa posição de inferioridade em relação a qualquer das alternativas. Então, deus não é a melhor explicação, mas sim a pior.


Actualização 2:

Um modelo interessante que envolve a existência de um multiverso é o modelo da inflação eterna (*a) que pode ser considerado uma extensão da teoria do Big Bang. De acordo com este, o nosso universo poderia ser um dos muitos num super-universo ou multiverso. Linde (1990, 1994) propôs que uma “espuma” de fundo do espaço-tempo  (onde partículas subatómicas vão aparecendo e desaparecendo) (*b), vazia de matéria e radiação que experimenta flutuações quânticas locais, formando muitas bolhas de falso vácuo que formam individualmente mini-universos com características aleatórias. Cada universo dentro do multiverso pode ter um conjunto diferente de constantes e leis físicas. Alguns podem ter até vida de uma forma diferente da nossa, enquanto outros podem não ter vida. Obviamente que estamos num desses universos com vida (3). Mais ainda, se há infinitos universos não é preciso afinar nada para a existência de vida. Isto é uma possível explicação para a origem do universo e de todas as constates e leis físicas. E está claro que deus está fora da equação. 

Concluindo, existem explicações interessantes relativas ao que observamos no universo (as suas constantes e leis físicas que parecem afinadas para a vida), o qual provavelmente surgiu espontaneamente do nada. Um deus omnipotente, no entanto, não explica porque é que as constantes e leis físicas são o que são, pois podia querer (e fazer) um universo muito diferente, com formas de vida muito diferentes (com as quais poderia querer estabelecer uma relação ou não), existindo inúmeras possibilidades.   


(*) Notas:
1.)
a.) «Fine-tuning e verosimilhança, parte 2», Ludwig Krippahl, 1/12/2013 (disponível aqui: http://ktreta.blogspot.pt/2013/12/fine-tuning-e-verosimilhanca-parte-2.html)
b.) Verosimilhança: http://pt.wikipedia.org/wiki/Verossimilhan%C3%A7a#Estat.C3.ADstica, http://en.wikipedia.org/wiki/Likelihood_function e http://en.wikipedia.org/wiki/Likelihood-ratio_test. Princípio da máxima verosimilhança: http://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A1xima_verossimilhan%C3%A7a.

2.)
a.) «Eternal inflation»
(disponível aqui: http://en.wikipedia.org/wiki/Eternal_inflation)
b.) «Quantum foam» (disponível aqui: http://en.wikipedia.org/wiki/Space-time_foam )

3.) Mais sobre os disparates do William Lane Craig aqui (http://authorofconfusion.wordpress.com/2008/06/20/william-lane-craig-bill-cooke-public-debate-palmy/). Sobre o argumento cosmológico vai de encontro ao que eu penso: 1 não foi demonstrada verdadeira - não sabemos de nada que tenha começado de raiz, não temos experiência de nada a começar a existir como o universo. Só sabemos do que se passa aqui, no nosso universo já "feito". Não temos qualquer base para dizer que tudo o que começa a existir tem uma causa. Não sabemos, pura e simplesmente.     

Referências:

1. «The Grand Design»  


2. Lawrence Krauss (2010-09-08). "Our Spontaneous Universe". Wall Street Journal.

3. Stenger, Victor J. "Is the Universe fine-tuned for us?"




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